terça-feira, 4 de agosto de 2009

Um Olhar Sobre Saramago



A questão de identidade tem sido abordada por Saramago de uma forma, na qual quem a faz é o povo. Por meio de reflexão, o autor coloca o leitor como identificador de si mesmo, fazendo do papel de identidade muito mais que uma criação literária e transformando essa criação em ferramenta para identificação de si e do próprio leitor.
O que nos parece claro é que, para Saramago, a identidade está muito além de que questões práticas dentro de uma ciência que se aprende. Para o autor a identidade existe e co-existe dentro da própria experiência, é o andar que faz o caminho. Assim como fez o próprio Saramago o seu caminho de escritor.
Nota-se um homem humanista, sonhador, talvez, em textos, pelos seus escritos, mas realista na percepção da palavra. Assim, entendemos que José Saramago parece-nos um elo entre aquilo que diz ou dizem ser e o que, verdadeiramente, é. Interessante, também, e revelador como o autor faz comparativos da sua vida, dizendo que à medida que ia escrevendo estaria colocando em prática o que estava vivendo ou que já havia vivido.

“Muitos anos depois, escrevendo pela primeira vez sobre este meu avô Jerónimo e esta minha avó Josefa, tive consciência de que estava a transformar as pessoas comuns que eles haviam sido em personagens literárias e que essa era, provavelmente, a maneira de não os esquecer, desenhando e tornando a desenhar os seus rostos com o lápis sempre cambiante da recordação, colorindo e iluminando a monotonia de um quotidiano baço e sem horizontes, como quem vai recriando, por cima do instável mapa da memória, a irrealidade sobrenatural do país em que decidiu passar a viver”. ( AGUILHERA, Fernado Gómez; A Consistência dos Sonhos, Cronobiografia. Ed. Caminho, Lisboa, 2008) .

Em entrevista dada a Carlos Reis, Saramago afirma a valorização do individuo comum e a própria participação da história, como protagonista, dentro e fora da ficção, momentos estes determinantes para realização de suas obras. Um gesto lúdico, como bem lembra Reis quando diz que a aprendizagem da escrita é como que deslizasse para uma aprendizagem da própria identidade, descoberta também da força dos cruzamentos operados entre o registro da autobiografia e o do outros géneros que com ela convivem: a crónica, que é sobretudo conhecimento do tempo presente, e a narrativa de viagens, que vem a ser conscientização da alteridade e da mudança.

"É esse sentido da pessoa comum e corrente, aquela que passa e que ninguém quer saber quem é, que não interessa nada, que aparentemente nunca fez nada que valesse a pena registrar, é a isso que eu chamo de as vidas desperdiçadas. Talvez eu não tivesse uma consciência muito aguda disso, se não visse de que dependem as vidas das pessoas, de coisas que lhes são totalmente alheias, em que elas não foram parte. E não sendo nenhuma pessoa totalmente livre para dispor de sua vida como entende e sabendo nós que a nossa vida é também orietada, determinada e empurrada pelas outras pessoas sem disso nos darmos conta muitas vezes, eu limito-me a dizer que esta coisa (e é de mim que falo) e que é o seguinte: a minha família toda era formada por camponeses, sem-terra, gente pobre, analfabetos todos ou quase todos; se meu pai não tem vindo para Lisboa, depois de fazer a guerra de 14-18, pensando que tinha de largar a enxada e ir tentar viver de outra maneira na cidade, não existiria o Memorial do Convento, não existiria o Ensaio sobre a Cegueira, não existiria nada disso.” (p.82). REIS, Carlos, Diálogos com José Saramago, Lisboa, Editora Caminho, 1998.

E por fim, dando uma idéia do sentido de tudo, estando ligado a função humanizadora da literatura, Saramago faz e cumpre a necessidade que tem o homem de fantasiar consigo e, como essas necessidades têm sempre sua base na realidade, na literatura, neste caso, atua como instrumento, também de educação, de formação do homem, uma vez que exprime realidades que a ideologia dominante vive. Como bem lembra Antonio Candido quando diz: “A literatura pode formar; mas não segundo a pedagogia oficial”. “[...] Longe de ser um apêndice da instrução moral e cívica, [...], ela age com o impacto indiscriminado da própria vida e educa com ela”.

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