Michelangelo Buonarroti, 1511, Capela Sistina.
Mais um ano letivo começa a dar seus primeiros passos e sempre que me pego a pensar sobre “quem” sou e o que farei para que este ano seja melhor do que o ano passado, deparo-me com outro questionamento: “Como” sou?
Para falar a verdade, nem me interesso em saber quem sou e muito menos para onde vou, isto para mim é fato consumado. Entretanto, penso que o que faz a diferença é a ação de como sou. Penso que é nesta questão que gravita toda a existência humana. Se meus alunos me perguntassem, hoje, quem eles são ou o que serão, dira que poderiam ser qualquer coisa, desde que a diferença estive pautada de como eles são ou serão, independente de quem são.
E, uma coisa leva-nos à outra porque é por meio de “como” sou que determino quem sou, mas os valores perderam o rumo e o homem passou a dar uma importância muito maior em “ter” do que “ser”. E nesse jogo acabou por escolher as piores cartas e o que é mais insano ainda, não tem tempo para refletir a respeito e talvez não tenha tempo, justamente, pelas cartas escolhidas.
Lembrando de Robert Happé, aliás, nunca mais vou esquecer-me de Happé que faz uma análise cronológica das dependências humanas desde que o homem existe e de como somos micro e mesquinhos diante da idéia do macro.
Tudo que escrevo não está fundamentado em nada ou está em tudo, se considerarmos que todo, até então, dito está alicerçado em minhas existências. E a questão de quem eu sou torna-se nada se eu não perceber que ela somente vai fazer sentido a partir do outro, da minha ação (e posso escolher que ação tomar, mas nunca esquecendo que toda ação gera uma reação) comunitária.
Todavia, falar, pensar, imaginar, filosofar e escrever é fácil. O “ser peripatético” de Sócrates era válido, é bem verdade, porque jogava o homem a refletir sobre suas ações, entretanto é na prática que as mudanças acontecem. É quando desligo este computador (ou não, porque hoje muitos relacionamentos aqui estão) e me encontro com o outro, é a partir daí que justifico minha estada neste mundo, mas isto tem de acontecer de verdade.
Se levarmos em conta que nada somos individualmente e imaginarmos que estamos todos soltos em um vasto universo, presos em um geóide enorme (sem sustentabilidade atual ou futura), penso que teríamos mais consideração a tudo que nos rodeia, da mesma forma que estamos todos no mesmo barco e que nossas ações é que permitirão a liberdade verdadeira e não essa liberdade efêmera, a qual o homem busca.
Não adianta buscar existências em outras terras ou tentar imaginar que podemos habitar outros planetas. Nossa existência aqui é única e atualmente (ou sempre) estamos de passagem e nunca nos veremos outras vezes, fisicamente falando.
Então, caso eu acredite em tudo isto que estou a escrever, o que faz a diferença realmente? A diferença está na ação do encontro com o outro.
Praticando este acreditar, enquanto professora (porque exercemos vários papéis, até os que não são nossos e ainda, muitas vezes, queremos exercer o do outro) penso que minha prática de mudança dar-se-á a partir do momento que considero meu aluno como um todo, aliás um “único todo” e que deve ser respeitado como tal. Meu papel não é nem encaminhá-lo, mas sim tentar perceber quem está sentado a minha frente e a partir desta percepção, de como ele é ou está, tentar encaminhá-lo. Claro que minha percepção depende muito de quem sou e meu “quem sou” é o resultado de “como sou”.
Se todos empresários considerassem seus operários para além dos portões de suas fábricas e todos os professores levassem em conta que seus alunos são muito mais que alunos, poderíamos imaginar que logo ali, na frente, eles entenderiam que não foram enganados e que as ações eram em benefício de todos. Uma troca sem cobrança; a existência misteriosa, mas que habita somente no outro.
Leonardo Boff fala-nos que o mistério está no outro e não em nós, é no outro que habita o maior desafio porque este entendimento obriga-nos a sair de nós mesmos e a partir do momento que o outro se concretiza a nossa frente nasce à ética, justamente porque o outro nos exige uma atitude prática. O outro significa uma proposta de vida que pede uma res-posta com res-ponsa-bilidade. E pensar de forma contrária é, no mínimo, pretensioso.
Tudo isso podemos traduzir e
m um sentimento que conhecemos pela palavra AMOR. Amor de compreensão, amor de encaminhamento, amor de vida, amor que torna o outro muito mais importante do que ele pensa ser, amor que transforma sem romper limites, amor que ama de verdade sem dar e nem receber, somente existe naturalmente e é a única forma existencial eterna.
É tão simples, somos todos irmãos, todavia, ainda, não percebemos.
Lembrei-me agora de um menino que nasceu há 2010 anos e que dizia assim:
“Amai o próximo como a ti mesmo”.
Se analisarmos um pouco a questão dos escritos, dos Evangelhos canônicos (não quero defender religião alguma, até porque não tenho uma), a grandeza da criação, dá-se a partir da revelação do outro.
Acredito fielmente que se nossas ações não forem individualmente benéficas a todos, de nada vai ter valido a pena, mesmo que nossa alma não seja pequena.
Por fim, o homem busca respostas a questionamentos complexos, mas tudo está em um ato muito simples: Amar o outro. Enquanto pensam, esquecem de praticar.