quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Os Varais de Lisboa








Metaforicamente, os varais de Lisboa trazem a representação humana que rompe os limites das paredes para se juntar ao contexto urbano. Em cada peça de roupa estendida, de uma forma bandeirada, fica configurado a identidade de cada morador. Por suas vestimentas, sua cor, seus escritos, seus tamanhos, podemos traçar uma ideia das pessoas que habitam cada moradia.
Ao mesmo tempo em que somos arremessados para esta ideia, conseguimos perceber a forma na qual cada um é colocado para fora de suas janelas, como que anunciar a forma organizada em que é feito. Somado a tudo isso, muitas ideias ficam abertas para o entendimento dos mesmos, bem como ao motivo que os leva para fora de seus limites habitacionais, como a falta de espaço, de luminosidade, de calor e ventilação.
O encontro entre o íntimo e o público da aos varais de Lisboa uma identidade única que, de forma representativa figurada, mostra a junção entre a necessidade e a arte.
Podemos considerar a arte nos varais de Lisboa, a partir do momento em que nosso olhar percebe o linear dos mesmos nas ruelas, como que a desenhar, ou pintar as fachadas velhas das casas fazendo uma simetria harmoniosa entre a arquitectura antiga e paredes gastas com o colorido das "vestias". Este efeito estético determinado, ressalva, também, a importância que os varais de Lisboa têm, como que a humanizar o passado. Quando referimo-nos à humanização do passado, implica-se também a perpetuação do mesmo, pois bem sabemos que os varais de Lisboa são seculares. Este choque de imagens entre as roupas modernas e as paredes antigas torna os varais de Lisboa uma ponte entre o passado e o contemporâneo.
A exposição dos Varais de Lisboa é o resultado expressivo de uma amostra do conjunto da liberdade do movimento, identidade, momento histórico e arte.
Um belo registro dessa cultura secular portuguesa está sendo feito por meio do blog http://varaisdelisboa.blogspot.com/, o qual vale a pena acessar para ver as maravilhas expostas.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Das Obras Marginais às Obras Literárias




Várias são as críticas apontadas para nossas obras literárias. Partindo do pressuposto de que nada é absoluto e que uma crítica realizada de forma errônea pode afastar para sempre nosso leitor, buscamos entender alguns métodos utilizados por nossos críticos para avaliação das mesmas. Por meio desse entendimento, procuramos apontar alguns aspectos negativos que, de forma, talvez, inconsciente faz com que o crítico literário não trabalhe, em hipótese alguma, com o subjetivo do autor e sim com sua importância à escrita cronológica, dando referência e ressalva ao seu tempo, tornando-se assim marcador de época.
Diante disso, fazem com que a obra seja analisada de forma fria e em geral, calculada, como se todas essas fossem escritas somente para mostrar seu tempo, tornando-se um calendário secular e em nome de uma universalidade classifica o que é bom e ruim.
A partir de Afrânio Coutinho, a crítica literária profissionaliza-se e desde então se fechou em teorias e hermetismo, o que impediria muitos possíveis leitores de serem introduzidos ao universo literário.
Sabemos, e nosso olhar não é ingênuo, que por mais que seja acusada de difícil, hermética e teórica, a crítica literária trouxe-nos excelentes estudos na área da historiografia literária, da sociologia da literatura, da própria crítica literária com sua teoria-crítica, tentando sistematicamente compreender o fenômeno literário particularmente em nossas condições culturais.
Na verdade, o que se esconde por trás dessas construções teóricas-críticas são os valores do crítico, que irão nortear a escolha e importância dada a determinados autores na história da literatura. E esses valores, em certo momento, deixam de seguir uma pura análise para assumir outro papel, uma vez que se profissionaliza, logo se capitaliza, fazendo assim que analisem o que, quiçá, nem leram.
Contudo, bem sabemos que por trás de toda escrita existe “alguma” coisa que pulsa e que por mais que tenha um objetivo calculado, sempre será lido por vários olhos e que cada olhar analisa também com sua subjetividade e com “aquilo” que mais o identifica. Afinal, o objeto da crítica literária é a obra literária e essa somente passa a existir quando interagem, autor, obra e leitor.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Pe. Amaro e o Seu Crime


Primeiro romace realista da literatura portuguesa, O Crime do Padre Amaro revelou um dos maiores romancistas portugueses e chocou a sociedade da época com sua denúncia social e religiosa.
Criado dentro de um sistema, no qual ser padre implicaria uma vida social arranjanda, Amaro ordenou-se, mas nunca deixou de ser homem e se apaixonou por Amélia. Já sacerdote em Leiria, espanta-se, no início, com o cinismo explícito dos seus colegas de batina. Começa a perceber que tudo que o cerca, é de forma pecaminosa. Está, na verdade, disfarçado em uma entidade social.
Segundo Jean Jacques Rousseau, escritor suiço, em seu livro sobre a teoria da personalidade, era a sociedade quem corrompia o homem. Subestimou-se a possibilidade da sociedade reflectir, exatamente, a totalidade das tendências humanas. Outra concepção acerca da personalidade foi baseada na constituição biotipológica, segundo a qual a genética não estaria limitada exclusivamente à cor dos olhos, dos cabelos, da pele, à estatura, aos distúrbios metabólicos e, às vezes, às péssimas formações físicas, mas também, determinaria as peculiares maneiras do indivíduo em relaciornar-se com o mundo: seu temperamento, seus traços afectivos, etc.
Com este entendimento e as demais evidencias do livro, perguntamo-nos se o que Padre Amaro fez querer o título de crime. Ou seja, por mais que Amaro tenha cometido qualquer crime, e queremos aqui abrir um parenteses para dizer que o seu crime maior foi não viver esse amor, porque acreditamos que ele amava Amélia e a partir desta constatação travou uma luta entre seu futuro como padre e suas comodidades e o que sentia, entendemos que nada fez conscientemente e estava envolvido por tudo que trazia em suas memórias como formação do sujeito. Para ele algo estava errado, dentro do quadro que se apresentava, todavia o que mais contou foi tudo que estava armazendo em sua mente.
Para nós, Pe. Amaro foi induzido, carregado, e, por que não dizer, vítima de todo um sistema pronto que condiciona o sujeito de uma tal forma que o mesmo fica sem opções.
Não queremos provar nada, contudo, Amaro, lembra-nos algo muito importante, uma passagem bíblica em que Cristo disse: “ Atire a primeira pedra, quem entre vós não tiver um pecado”.
E, para finalizar, queremos fazer um “gancho” para outra reflexão, desta vez sobre a vida desses quatro personagens: Amaro, Amélia, Cristo e Madalena.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Da Leitura à Oratória


O domínio da linguagem oral está ligado directamente à quantidade de recursos verbais que se possui, e uma das melhores formas de adquirir esses recursos é por meio da leitura, quanto maior for nosso vocabulário, mais fácil será nosso domínio linguístico.
A leitura proporciona-nos a expansão do imaginário, do intelecto e, consequentemente, dos recursos para persuadir, via palavra. Logo, não podemos pensar em persuadir caso não sejamos bons leitores. E ser bom leitor depende de você, por mais que não goste, comece aos poucos. Procure ler aquilo que lhe agrada, seja do género científico, romântico, poético, policial ou de terror. Enfim, o género não diz respeito, o que importa é que você comece a ler para criar o hábito. Uma vez com este hábito aperfeiçoado, procure ampliar seu género textual, chegará a um patamar em que ler passará a ser fundamental e, a partir daí, tudo será fácil.
Não esqueçamos: Cada palavra lida é oitenta por cento absorvida e essa dimensão alcançada, em cada palavra, vai fazer você mais confiante, pois agora tem como aliado um parceiro fundamental: o domínio linguístico por meio da leitura.
O hábito e a interpretação de textos, como livros, notícias, propagandas, panfletos, histórias em quadrinhos, mapas históricos e geográficos, possibilitam ao aluno obter informações do mundo e suas dimensões linguísticas e assim desenvolver a sua competência de leitor e escritor. Entretanto, para isso é preciso que o aluno compare e compreenda, não somente aquilo que o texto possibilita, mas também os recursos expressivos utilizados pelo autor e as várias interpretações que o texto proporciona, bem como a organização dos diferentes tipos de textos.
Lembramo-nos das palavras de William James, o mais destacado professor de Psicologia da Harvard, que escreveu seis frases que poderão ter um profundo efeito em sua vida, leitor, seis frases que são o “abre-te-sésamo” para a caverna do tesouro da coragem de Ali Babá:

Ø Em quase todos os assuntos, você será salvo pela sua paixão por eles;
Ø Se você tiver cuidado suficiente o resultado é certo;
Ø Se você desejar ser bom, será bom;
Ø Se você desejar ser rico, será rico;
Ø Se você desejar aprender, aprenderá;
Ø Somente, então, você, realmente, deverá desejar estas coisas, e desejá-las com exclusividade, e não desejar uma centena de outras coisas incompatíveis, com a mesma intensidade.
A hora é da palavra, o futuro exige o poder da palavra, da persuasão e essa mudança depende de você, somente de você!
Leia sempre!

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Um Olhar Sobre Saramago



A questão de identidade tem sido abordada por Saramago de uma forma, na qual quem a faz é o povo. Por meio de reflexão, o autor coloca o leitor como identificador de si mesmo, fazendo do papel de identidade muito mais que uma criação literária e transformando essa criação em ferramenta para identificação de si e do próprio leitor.
O que nos parece claro é que, para Saramago, a identidade está muito além de que questões práticas dentro de uma ciência que se aprende. Para o autor a identidade existe e co-existe dentro da própria experiência, é o andar que faz o caminho. Assim como fez o próprio Saramago o seu caminho de escritor.
Nota-se um homem humanista, sonhador, talvez, em textos, pelos seus escritos, mas realista na percepção da palavra. Assim, entendemos que José Saramago parece-nos um elo entre aquilo que diz ou dizem ser e o que, verdadeiramente, é. Interessante, também, e revelador como o autor faz comparativos da sua vida, dizendo que à medida que ia escrevendo estaria colocando em prática o que estava vivendo ou que já havia vivido.

“Muitos anos depois, escrevendo pela primeira vez sobre este meu avô Jerónimo e esta minha avó Josefa, tive consciência de que estava a transformar as pessoas comuns que eles haviam sido em personagens literárias e que essa era, provavelmente, a maneira de não os esquecer, desenhando e tornando a desenhar os seus rostos com o lápis sempre cambiante da recordação, colorindo e iluminando a monotonia de um quotidiano baço e sem horizontes, como quem vai recriando, por cima do instável mapa da memória, a irrealidade sobrenatural do país em que decidiu passar a viver”. ( AGUILHERA, Fernado Gómez; A Consistência dos Sonhos, Cronobiografia. Ed. Caminho, Lisboa, 2008) .

Em entrevista dada a Carlos Reis, Saramago afirma a valorização do individuo comum e a própria participação da história, como protagonista, dentro e fora da ficção, momentos estes determinantes para realização de suas obras. Um gesto lúdico, como bem lembra Reis quando diz que a aprendizagem da escrita é como que deslizasse para uma aprendizagem da própria identidade, descoberta também da força dos cruzamentos operados entre o registro da autobiografia e o do outros géneros que com ela convivem: a crónica, que é sobretudo conhecimento do tempo presente, e a narrativa de viagens, que vem a ser conscientização da alteridade e da mudança.

"É esse sentido da pessoa comum e corrente, aquela que passa e que ninguém quer saber quem é, que não interessa nada, que aparentemente nunca fez nada que valesse a pena registrar, é a isso que eu chamo de as vidas desperdiçadas. Talvez eu não tivesse uma consciência muito aguda disso, se não visse de que dependem as vidas das pessoas, de coisas que lhes são totalmente alheias, em que elas não foram parte. E não sendo nenhuma pessoa totalmente livre para dispor de sua vida como entende e sabendo nós que a nossa vida é também orietada, determinada e empurrada pelas outras pessoas sem disso nos darmos conta muitas vezes, eu limito-me a dizer que esta coisa (e é de mim que falo) e que é o seguinte: a minha família toda era formada por camponeses, sem-terra, gente pobre, analfabetos todos ou quase todos; se meu pai não tem vindo para Lisboa, depois de fazer a guerra de 14-18, pensando que tinha de largar a enxada e ir tentar viver de outra maneira na cidade, não existiria o Memorial do Convento, não existiria o Ensaio sobre a Cegueira, não existiria nada disso.” (p.82). REIS, Carlos, Diálogos com José Saramago, Lisboa, Editora Caminho, 1998.

E por fim, dando uma idéia do sentido de tudo, estando ligado a função humanizadora da literatura, Saramago faz e cumpre a necessidade que tem o homem de fantasiar consigo e, como essas necessidades têm sempre sua base na realidade, na literatura, neste caso, atua como instrumento, também de educação, de formação do homem, uma vez que exprime realidades que a ideologia dominante vive. Como bem lembra Antonio Candido quando diz: “A literatura pode formar; mas não segundo a pedagogia oficial”. “[...] Longe de ser um apêndice da instrução moral e cívica, [...], ela age com o impacto indiscriminado da própria vida e educa com ela”.