quinta-feira, 5 de agosto de 2010

O Escritor Que Sabia Demais

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Orwell tinha uma frase muito sábia que dizia assim: “existem coisas em que só os intelectuais são loucos em acreditar”.

As leituras de férias são sempre compostas por aqueles títulos que deixamos para depois. Leituras igualmente importantes das realizadas fora do período de férias, mas que podem esperar um tempo para serem lidas.
Pois bem, em uma dessas leituras importantes, mas que podia esperar, deparei-me com um artigo muito interessante (com vários), mas esse, especialmente, tratava de uma entrevista ao escritor João Lobo Antunes, irmão do escritor Nuno Lobo Antunes e do escritor António Lobo Antunes, uma família de médicos e escritores. Aliás, interessante desse tríptico formado de nomes e de profissões.

Voltando ao artigo da revista LER - Livros & Leitores, publicada em julho/agosto de 2010, na seqüência da entrevista, na página 20, bem no alto da página havia duas perguntas assim ao escritor:

P1- Queria ainda perceber melhor o que é que espera da Crítica Literária?;
R- O que espero, mas se calhar isto não é legítimo, é uma capacidade de selecção, uma capacidade pedagógica, de me ensinar. Quero alguém cujo magistério me possa ser útil. Que me diga assim: “ Leia isto que vale a pena ler:” Alguém em que eu tenha suficiente confiança para dizer: “ Com certeza, vou seguir o conselho, vou ler.” (João Lobo Antunes)

P2- Para isso é preciso estabelecer um elo de confiança com esse leitor que escreve sobre o que leu
R- Pois é. Há muita crítica literária- e, uma vez mais, digo isto com a maior das humildades- que consiste basicamente em extrair do livro largos excertos da prosa do autor. Mas, como disse, se calhar o problema é meu.(João Lobo Antunes)

Bem, imagino que há uma enorme confusão, tanto no questionamento, como na resposta às duas perguntas. Caso o autor pretenda ter uma dica de leitura por um especialista, neste caso o crítico literário, imagino que ele esteja mencionando a prática pedagógica dentro de uma universidade ou mesmo fora dela, mas efetuada por um especialista e mesmo assim não há garantia de uma boa leitura. Afinal, quem nos garante a certeza na análise do crítico? Como analisa? De que ponto de vista parte e com que autonomia refere-se “àquilo” que não escreveu?

O crítico literário, bem lembrado na concepção do professor Binho, quando lê, aprende a ler com filtros teóricos. Tem a perda de algo que nunca teve de verdade: a leitura inocente, a relação do puro prazer com a literatura. Não tem nenhum ato de linguagem inocente, toda sua leitura é crítica. Falar, escrever, ler e interpretar são ações que acontecem à luz da ideologia que nos constitui, até mesmo quando pregamos a não-ideologia. Esse, às vezes, esquece disso e reflete um vazio de sentido naquilo que rabisca. Escreve para manter a pose intelectual sintonizado com o próprio tempo. Experimenta uma inteligência artificial que periga apagar para sempre sua sensibilidade. Fica, muitas vezes, confuso e impotente com tantas teorias da interpretação. Tece para uma academia que declarou o fim da leitura livre e instaurou o discurso da crítica acadêmica mecanicamente especializada.

Por fim, caso estivéssemos a falar em uma classificação literária, entre a boa e a ruim, para além de questionarmos a condiçao do crítico literário, questiono também a marginalidade da literatura, ou seja, obras hoje consagradas que em outros tempos eram consideradas à margem (Poe, Fante, Jean Genet, Bukowski, Blake, Samuel Beckett, Jack Kerouac, Burroughs, Camões, Junqueira, António Patrício, Gregório de Mattos e Guerra, Chico Buarque, Cora Coralina, Carolina De Jesus, Cruz e Sousa, entre tantos outros ) e muitas, inclusive, proibidas de publicação. E, com isso, o círculo se fecha na intencionalidade dessa classificação.

A prática pedagógica, mencionada pelo escritor, está fora de questão, o que vale mesmo a pena é ( e para todos os casos, se nossa alma não for pequena) nosso aluno ter tempo para poder selecionar uma boa leitura, ou melhor, aquela que ele considera uma boa leitura e a partir daí ter um crescimento literário que possa agregar as demais leituras indicadas.

*______________ Ilustração de Irene Sheri, Ucrânia/1968.

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