Edgar Morin apresentou, em 2003, o que ele mesmo chama de inspirações para o educador ou os saberes necessários a uma boa prática educacional.
1º Saber - Erro e ilusão
Não afastar o erro do processo de aprendizagem. Integrar o erro ao processo, para que o conhecimento avance.
- A educação deve demonstrar que não há conhecimento sem erro ou ilusão. - Todas as percepções são ao mesmo tempo traduções e reconstruções cerebrais a partir de estímulos ou signos, captados e codificados pelos sentidos. - O conhecimento em forma de palavra, ideia ou teoria, é fruto de uma tradução/reconstrução mediada pela linguagem e pelo pensamento; assim conhece o risco de erro. - Sendo o conhecimento tradução e reconstrução, admite interpretação pelo indivíduo; assim terá a forma de cada um, e conforme cada um vê o mundo. - Não se pode e não se deve separar os sentidos humanos ao conhecimento visto que a afectividade pode asfixiar o conhecimento, mas também fortalecê-lo. -
Não há um estado superior da razão que domina a emoção, mas um circuito
intelecto «-» afecto
que assim contribui para o estabelecimento de comportamentos racionais. - Existe um mundo psíquico independente, onde fermentam necessidades, sonhos, desejos, ideias, imagens, fantasias e este mundo influencia a nossa visão e concepção do mundo. - A racionalidade é o melhor guarda–costas da razão. Com ela nos é permitido distinguir o real do irreal, o objectivo do subjectivo, etc. Mas também a racionalidade para ser racional deve estar aberta a todas as possibilidades de erro - caso contrário passa a ser uma racionalização dos nossos conhecimentos ou seja, o que pensamos estar correcto e ser racional, como não o pomos à prova de erro, torna-se a racionalização desse pensamento, ideia ou teoria. Fecha-se em si mesmo. A racionalidade é aberta - ao contrário da racionalização, que se fecha em si mesma.
2º Saber - O conhecimento pertinente
Juntar as mais variadas áreas de conhecimento, contra a fragmentação. Para que o conhecimento seja pertinente, a educação deverá tornar evidentes:
O contexto
O global
O multidimensional – o ser humano é multidimensional: é biológico, psíquico, social e afectivo. A sociedade contém dimensões históricas, económica, sociológica, religiosa.
O complexo – ligação entre a unidade e a multiplicidade.
A educação deve promover uma inteligência geral apta a referir-se ao complexo, ao contexto, de forma multidimensional e numa concepção global. Quanto mais poderosa for a inteligência geral, maior é a sua faculdade de tratar problemas especiais.
A antinomia – os progressos do conhecimento estão dispersos, desunidos, devido à especialização que quebra os contextos, as globalidades e as complexidades. Os problemas fundamentais e os problemas globais são evacuados das ciências disciplinares, perdem as suas aptidões naturais tanto para contextualizar os saberes como para integrá-los nos seus conjuntos naturais. A debilitação da percepção do global conduz à debilitação da responsabilidade (cada um só se responsabiliza pela sua tarefa especializada) e à debilitação da solidariedade (já ninguém sente vínculos com os concidadãos).
A disjunção e especialização fechada – a hiperespecialização – impede-nos de ver tanto o global como o essencial, e de tratar correctamente os problemas particulares, que só podem ser apresentados e pensados num contexto. A cultura geral incita à busca da contextualização de qualquer ideia; a cultura científica e técnica disciplinar parcela, desune e compartimenta os saberes, tornando cada vez mais difícil a sua contextualização. A divisão das disciplinas impossibilita colher o que está tecido em conjunto – o complexo.
A redução e disjunção – o princípio da redução conduz a uma diminuição do conhecimento de um todo, ao conhecimento das suas partes, como se a organização de um todo não produzisse qualidades ou propriedades novas em relação às partes, consideradas separadamente. Conduz à redução do complexo ao simples, à eliminação de tudo aquilo que não seja quantificável nem mensurável. A redução, quando obedece estritamente ao postulado determinista, oculta o risco, a novidade, a intenção.
A falsa racionalidade – o século XX viveu sob o reino de uma pseudo racionalidade, que se presumiu ser a única, mas que atrofiou a compreensão, a reflexão e a visão a longo prazo. A sua insuficiência para tratar os problemas mais graves constituiu um dos problemas mais graves para a humanidade.
3º Saber - Ensinar a condição humana
Não somos um algo só. Somos indivíduos mais que culturais - somos psíquicos, físicos, míticos, biológicos, etc.
A educação do futuro deverá ser um ensino primeiro e universal centrado na condição humana. O humano permanece cruelmente dividido, fragmentado, enuncia-se um problema epistemológico e é impossível conceber a unidade complexa do humano por intermédio do pensamento disjuntivo, que concebe a nossa humanidade de maneira insular, por fora do cosmos que o rodeia, da matéria física e do espírito do qual estamos constituídos, nem tão pouco por intermédio do pensamento redutor que reduz a unidade humana a um substrato bio – anatômico. - Enraizamento – desenraizamento - embora enraizados no cosmos e na esfera viva, os humanos desenraizaram-se pela evolução. - Condição cósmica/condição física/condição terrestre/condição humana. Somos ao mesmo tempo seres cósmicos e terrestres. Somos resultado do cosmos, da natureza, da vida, mas devido à nossa própria humanidade, à nossa cultura, à nossa mente, à nossa consciência, tornámo-nos estranhos a este cosmos do qual fazemos parte. Evoluímos para além do mundo físico e vivo. È neste mais alem que se opera o pleno desdobramento da humanidade. - A unidualidade – o homem é um ser plenamente biológico, mas senão dispusesse plenamente da cultura seria um primata do mais baixo nível. O homem só se completa em ser plenamente humano pela e na cultura. Não existe cultura sem cérebro humano, mas não há mente ou seja, capacidade de consciência e de pensamento sem cultura. A mente é uma emergência do cérebro, que suscita cultura, a qual não existiria sem cérebro.Uma outra face da complexidade humana que integra a animalidade na humanidade e a humanidade na animalidade. As relações entre a razão/afecto/impulso não são só complementares, mas também antagonistas admitindo os conflitos entre a impulsividade, o coração e a razão. A racionalidade não dispõe do poder supremo - Indivíduo/sociedade/espécie – o desenvolvimento verdadeiramente humano significa desenvolvimento conjunto das autonomias individuais, das participações comunitárias e do e do sentido de pertença à espécie humana. A educação do futuro devera velar para que a ideia de unidade da espécie humana não apaguea diversidade e que a diversidade não apague a unidade. Todo o ser humano traz geneticamente em si a espécie humana e implica geneticamente a sua própria singularidade anatómica, fisiológica, todo o ser humano traz em si cerebral, mental, psicológica, afectiva, intelectual subjectivamente caracteres fundamentalmente comuns e ao mesmo tempo, tem as suas singularidades cerebrais, mentais, psicológicas, afectivas, intelectuais, subjectivas. A cultura mantém a identidade humana, no que ela tem de específico: as culturas mantêm as identidades sociais no que elas têm de específico. O ser humano é complexo e traz em si de forma bipolarizada os caracteres antagónicos: racional e delirante; trabalhador e jogador; empírico e imaginário; ecónomo e delapidador; prosaico e poético da mesma maneira a educação deveria mostrar e ilustrar o destino de múltiplas faces do humano: o destino social, o destino histórico, todos os destinos entrelaçados e inseparáveis. Uma das vocações essenciais da educação do futuro será o exame e o estudo da complexidade humana.
4º Saber - Identidade terrena
Saber que a Terra é um pequeno planeta, que precisa ser sustentado a qualquer custo. Idéia da sustentabilidade terra-pátria.
O tesouro da humanidade está na sua diversidade criadora, mas a fonte da sua criatividade está na sua unidade geradora. Com as novas tecnologias o mundo cada vez mais é um todo. Mas de um todo desunificado e desenraizado lado. O crescimento económico de uns gera a miséria noutros: o mundo é um todo, esse todo não respeita nem vê cada um, seja ele Estado ou indivíduo. O desenvolvimento das ciências trazem-nos progresso mas também regressões, ajuda uns e mata outros. Os grandes desenvolvimentos desenvolveram tudo e esqueceram-se de desenvolver o conceito de cidadania terrestre. Mas há esperança, tem que haver esperança. Esperamos com esperança com os vários contributos das contracorrentes que vão aparecendo por reacção às correntes dominantes; - a contracorrente ecológica, que defende a preservação do planeta que é nosso e por isso mesmo não temos o direito de o destruir e simultaneamente de nos destruirmos com ele; a contracorrente qualitativa – que rejeita a filosofia de “ quanto mais melhor “ e defende a de “ quanto melhor melhor “; a contracorrente à vida utilitária, sem cor; a contracorrente ao consumismo desenfreado; a contracorrente da escravatura ao lucro; a contracorrente pacifista que se opõe à solução armada para resolução dos conflitos.
5º Saber - Enfrentar as incertezas
Princípio da incerteza. Ensinar que a ciência deve trabalhar com a ideia de que existem coisas incertas.
Por muito que o progresso se tenha desenvolvido não nos é possível, nem com as melhores tecnologias, prever o futuro. O futuro continua aberto e imprevisível. O futuro chama-se incerteza. Nada é um dado adquirido, completo e simples, tudo se transforma para a melhor e pior maneira, por isso o homem enfrenta um novo desafio, uma nova aventura que é enfrentar as incertezas, e a educação do futuro deve voltar-se para as incertezas ligadas ao conhecimento.
6º Saber - Ensinar a compreensão
A comunicação humana deve ser voltada para a compreensão. Introduzir a compreensão; compreensão entre departamentos de uma escola, entre alunos e professores, etc.
A comunicação no século XXI do planeta é completa, entre faxes, telefone e Internet todos compreendem, mas os progressos para compreender a compreensão são mínimos. Não há nenhuma técnica de comunicação que traga por si mesma a compreensão. Educar para compreender uma dada matéria de uma disciplina é uma coisa, educar para a compreensão humana é outra, esta é a missão espiritual da educação: ensinar a compreensão entre as pessoas como condição garante da solidariedade intelectual e moral da humanidade; humanidade como um todo um todo como pólo individual. Para uma compreensão da humanidade temos que ensinar e aprender com os obstáculos que existem para a compreensão, o egocentrismo e o sociocentrismo, a redução do intelecto humano, a introspecção, o respeito e abertura ao próximo, a tolerância são caminhos que podem afectar positiva e negativamente a compreensão.
7º Saber - Ética do gênero humano
É a antropo-ética: não desejar para os outros, aquilo que não quer para você. A antropo-ética está ancorada em três elementos:
«
»Indivíduo«
»Sociedade«
»Espécie«
»
Na questão prática de aplicar os 7 saberes, a questão fundamental é que o objetivo não é transformá-los em disciplinas, mas sim em diretrizes para ação e para elaboração de propostas e intervenções educacionais.
A concepção complexa do género humano comporta a tríade
indivíduo «-» sociedade «-» espécie,
significa desenvolvimento conjunto das autonomias individuais, das participações comunitárias e do sentimento de pertença à espécie humana. No seio desta tríade complexa emerge a consciência, logo, uma ética propriamente humana, ou seja, uma antropo –
ética que supõe a decisão consciente e esclarecida de assumir a humana condição de indivíduo «-» sociedade «-» espécie na complexidade do nosso ser, de realizar a humanidade em nós próprios na nossa consciência pessoal, de assumir o destino humano nas suas antinomias e na sua plenitude, é–nos proposto um desafio;
trabalhar para a humanização da humanidade; efectuar a dupla condição do planeta – obedecer à vida, guiar a vida; realizar a unidade planetária na diversidade; respeitar ao mesmo tempo no próximo, a diferença e a identidade consigo próprio; desenvolver a ética da solidariedade; da compreensão; ensinar a ética do género humano.
A antropo-ética tem assim a esperança na realização da humanidade como consciência e cidadania planetária. Ensinar a democracia – a democracia permite a relação rica e complexa
indivíduo «-» sociedade,
onde os indivíduos e a sociedade se podem e devem entre-ajudar, entre–desenvolver, entre-regular e entre-controlar. A soberania do povo cidadão conte ao mesmo tempo a auto-limitação desta soberania pela obediência às leis e a transferência de soberania para os eleitores. A democracia contém ao mesmo tempo a auto – limitação da empresa do Estado pela separação dos poderes, a garantia dos direitos individuais e a protecção da vida privada. A democracia supõe e alimenta a diversidade dos interesses assim como a diversidade das ideias. O respeito da diversidade significa que a democracia não pode ser identificada com a ditadura das maiorias sobre as minorias. A democracia tem ao mesmo tempo necessidade de conflitos de ideias e de opiniões que lhe dão a vitalidade e a produtividade. Assim, exigindo ao mesmo tempo consenso, diversidade e conflitualidade, a democracia é um sistema complexo de organização e de civilização políticas que alimenta e se alimenta da autonomia do espírito dos indivíduos, da sua liberdade de opinião e de expressão, do seu civismo, que alimenta e se alimenta do ideal do ideal
Liberdade – Igualdade – Fraternidade
que comporta uma conflitualidade criadora entre os seus três termos inseparáveis. As democracias serão cada vez mais confrontadas com um problema, nascido do desenvolvimento das ciências, técnicas e burocracia. Esta enorme máquina não produz apenas conhecimento e elucidação, produz também ignorância e cegueira.
Os desenvolvimentos disciplinares das ciências não só as vantagens da divisão do trabalho, trouxeram também os inconvenientes da super–especialização, do fechamento e do emparcelamento do saber, assim, o cidadão perde o direito ao conhecimento que está acessível só aos peritos de cada uma das áreas.
Referência Bibliográfica
Morin; Edgar (2000). Os Sete Saberes necessários à Educação do Futuro. 8ª Edição - UNESCO. Cortez Editora, edição Brasileira, São Paulo.